Flamengo de sangue frio
Por Leonardo Maia
Por que ainda dói? O Flamengo fracassar na Copa Libertadores é a norma. É tradição que se renova a cada participação, como o amigo oculto de fim de ano da firma em que ninguém sai satisfeito e ainda assim teimam em perpetuar. São anos e anos em que o Flamengo esteve, quase sempre, relegado à irrelevância e à futilidade. Gerações diversas submetidas a traumáticas frustrações. Se há uma possibilidade de vexame, o Flamengo encontrará um jeito de realizar o exato necessário para tal.
O que nos leva à pergunta mais adequada. Ainda dói?
A repercussão da mais recente eliminação, com vitória por 1 a 0, sobre o Cruzeiro, no Mineirão, mostra que a resposta assustadora talvez seja: não.
O Flamengo foi de tal forma ultrajado — como instituição, como marca, como clube de futebol — nas últimas décadas que a torcida passou a esperar, e até aceitar, a derrota em campo como inevitável, um aborrecimento menor, e a se comprazer com o resgate do clube nas outras áreas, empreendido pelo grupo atualmente no poder e com boas chances de lá continuar depois da eleição de dezembro.
É digno de todos os elogios o esforço em reerguer o Flamengo do abismo moral e financeiro a que parecia banido. É obrigatório o respaldo de todo rubro-negro ao trabalho sério realizado desde 2013 pela atual gestão nessas questões. Assim como é dever de cada torcedor cobrar não o fracasso, mas o dano causado ao mais essencial, à ideia de Flamengo. Que redunda no insucesso desportivo.
O Flamengo, antes dessa administração, era a epítome da baderna financeira, política, institucional, desportiva. No qual dirigentes fingiam que pagavam e jogadores fingiam que jogavam. O problema é que, no afã de desconstruir esse estado de coisas, confundiram pacificar o clube com planificá-lo. Aterraram todo o relevo que fazia o Flamengo Flamengo.
E, erro tão grave quanto, aliaram a isso a fé cega no sofisma de que investimento continuado e sustentável são condições suficientes para atingir conquistas nos gramados. Não podem estar mais enganados.
Essa mentalidade parece ter contaminado a Nação. Que dirigentes, técnico e jogadores minimizem mais um fiasco, que reforça o nanismo internacional rubro-negro, é até esperado. Que a torcida reverbere o discurso conformado é ferida de morte.
Instalou-se no Flamengo a cultura do compadrio, da complacência com o quase lá, com o foi por pouco, com o lutamos, mas não deu. Vamos levando. Uma hora a gente ganha. Palavras exatas ouvidas da boca de seus executivos.
O Flamengo parece mais interessado em conquistar a certificação ISO 9001, em figurar na lista da Forbes de melhores empresas para se trabalhar, do que em celebrar títulos, erguer taças, cumprir seu destino de colosso dos campos.
O Flamengo é quente, o sangue de cada jogador e torcedor tem que ferver. O que não é sinônimo de ser a zona, o escracho geral que era.
O Flamengo precisa de um elemento mercurial. Algo que provoque desequilíbrio quando a apatia e o conformismo ameaçam se instalar.
O Flamengo hoje é um lagarto gordo refestelado embaixo de uma pedra.